By Marcel (infelizmente)
Tarde da noite, todos os amigos já tinham ido embora do barzinho onde costumavam se reunir toda quinta-feira à noite, após o trabalho.
Só permaneciam sentados na mesa, Martinho e Getúlio, amigos há pelo menos uns 15 anos. Como os assuntos já estavam esgotados e a cerveja já os tinha amolecido um bocado, Getúlio, o pensador, soltou uma das suas frases enigmáticas, que faziam Martinho, o sossegado, ficar pensando se realmente a vida era complicada daquele jeito que Getúlio falava:
- Eu não tenho medo da morte.
- Não?
- Não.
- Até parece.
- Tô falando...
- Ah tá...
- Sério, Martinho. Encaro a morte na boa, de peito aberto. Pra mim ela é como uma dama que irei beijar em qualquer esquina por aí, como diria Raulzito.
- Tá não tem medo. Mas você já encontrou com ela por aí?
- Como assim?
- Ué? Se não tem medo é porque já enfrentou!
- Não foi isso que eu quis dizer.
- Então tá, porque eu tenho medo da morte sim. Sabe lá o que tem do outro lado.
- Isso eu não posso te responder, mas quando a dama de preto me encontrar na esquina da vid...
- Que encontrar o que? Esquina da vida... ah! Seguinte Getulião, quando a tal dama da morte te encontrar na esquina da vida, pode ser que ela venha em forma de um cara encapuzado e com uma bala estourando no meio dos seus miolos!
- Se assim for o meu destino...
- Que destino o que rapaz! Destino de quem é morrer baleado?
- Ninguém sabe onde a dama negra irá te...
- Mas que dama negra, Getúlio? A morte é homem, mermão! Não tem nada de dama não!
- É uma dama com um beijo de gosto amargo e...
- Ah tá! Um monte de desgraça acontecendo e a morte é uma dama de beijo com gosto amargo! Uhum! Esses dias mesmo um terremoto levou um monte de chinês pro “sete parmo”, e foi por causa do beijinho da dama nega?
- Você não está enten...
- Beijo amargo tinha a Matilda, quando a gente ficou na festa da formatura. Aquilo sim era o beijo da morte. Ô bafo!
- Você ficou com a Matilda?
- Fiquei, e daí?
- Nunca me contou cara...
- Fiquei com vergonha.
- De mim?
- Não, da Matilda.
- Entendo...
- Foi horrível.
- Imagino.
- Mas isso não interessa! A morte é foda cara! Não é bonitinha não! Deixa um homem bomba chegar aqui perto, abrir o casaco e mostrar as dinamites na sua cara, e quero ver se você vai ter cú pra chama-lo de dama.
- Aqui não tem isso...
- Mas tem uns malandro tão cruel quanto. Aquele cara ali, por exemplo. Tá paradão na esquina um puta tempão, só de olho em sabe-se lá o que. Vai que ele resolve que é hora de matar um caboclo e vem aqui e coloca o “canão” na sua cara!
- Porque na minha?
- Ué, não é você que não tem medo da “dama”? Pois então... olha a “damona” ali, super lindinha te esperando com um beijo azedo...
- Não é azedo, é amargo.
- Tá, amargo... mas tá ali ó.
- Esquece esse assunto vai.
- É... pra que ficar discutindo algo desse jeito. Eu tenho minha opinião e você tem a sua.
- Vamos pagar então, Martinho?
- Beleza.
Pagam a conta e saem do bar.
- Onde você tá indo Getúlio?
- Embora...
- Por aí?
- Que tem?
- É por aqui!
- Na boa, Martinho, aquele cara ali da esquina tá muito suspeito mesmo. Vamos por aqui, junto comigo?